Não há precedentes históricos para o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Cidades inteiras submersas, estradas e pontes destruídas ou interditadas, milhões de pessoas deixando suas casas para trás, inúmeros mortos e desaparecidos e a certeza de um “pós-tragédia” extremamente custoso para todos os gaúchos.
Nem mesmo os mais privilegiados estão a salvo. Nesta segunda-feira a filha do treinador do Grêmio, Renato Portaluppi, publicou imagens do pai sendo socorrido por voluntários. O ex-jogador estava ilhado em uma região próxima ao Aeroporto Internacional Salgado Filho.
O aeroporto, por sua vez, está debaixo d’água há dias e teve seu fechamento decretado até o dia 30 de maio. Isso significa que Porto Alegre, principal centro urbano do Sul do país, viverá um mês de isolamento da malha aérea nacional.
Esses fatos já seriam suficientes para entender que os jogos dos clubes gaúchos terão de ser continuamente adiados até, pelo menos, a primeira semana do mês de junho. Os clubes estão sem centro de treinamento e sem estádio, também afetados pelos alagamentos. Não há como prever o tempo médio de recuperação dessas estruturas.
Uma teórica solução vem de imediato à cabeça: transferir o mando de campo de Grêmio e Internacional de cidade. Uma opção praticamente inviável, que geraria custos financeiros impensáveis aos dois clubes, que seriam obrigados a deslocar e hospedar mais de meia centena de funcionários, entre staff e jogadores, em uma cidade alheia – onde não contarão com suas torcidas e sócios.

Considerando inclusive que as principais saídas da região metropolitana de Porto Alegre estão interditadas, não existe muita condição logística para operar dessa forma. Mas a parte financeira é só uma das grandes questões. Jogadores e funcionários seriam submetidos a uma rotina de trabalho “normalizada” após deixarem suas famílias em um verdadeiro cenário de guerra.
Porque é essa a realidade dos gaúchos hoje. Nada funciona, há o medo congelante do avanço das águas, há uma total falta de expectativas do que vem pela frente (o desespero, não saber o que esperar), há o desgaste físico e mental de se manter a salvo e de tentar ajudar ao próximo.
O Brasil deveria se espelhar em um evento muito recente. Em fevereiro de 2023 a Turquia viveu um dos maiores terremotos de sua história, com 46 mil vítimas (sem contar outras milhares na Síria).
Mesmo com epicentro dos sismos se dando em uma região afastada da capital Ancara e da metrópole de Istambul (onde está a maioria dos clubes), houve suspensão de todas as partidas da SuperLig turca por mais de duas semanas. Clubes das cidades mais afetadas, Gaziantep e Hatayspor, precisaram abandonar a competição por falta de estrutura e por questões psicológicas.
Espera-se que as inundações no Rio Grande do Sul não deixe um saldo tão tenebrosos de mortes como a Turquia viveu, mas não é possível medir esse desastre ambiental apenas pelas fatalidades. O “pós tragédia” tende a ser caótico, com proliferação de doenças, estruturas danificadas, traumas sociais e uma difícil retomada da vida cotidiana.
Há também a questão esportiva: caso os jogos de toda competição não sejam suspensos por agora, os clubes gaúchos terão que concentrar uma imensa quantidade de partidas nos próximos meses, contra adversários com calendários mais ajustados.
Isso causará um desequilíbrio esportivo considerável, condenando esses clubes a resultados negativos e mesmo ao rebaixamento (e nesse caso as responsabilidades terão de ser compartilhadas…).
Há razões humanitárias e razões esportivas muito fortes para aceitar a suspensão do Campeonato Brasileiro neste mês de maio. A CBF deve elaborar soluções para o que se anuncia, que parecem razoáveis e até óbvias: alterar de imediato o calendário dos jogos, recomendar antecipação das férias, cancelar os campeonatos estaduais do ano que vem, dentre outras.
Após a tormenta, o futebol poderá ser usado como ferramenta de união, solidariedade e conforto para o povo gaúcho. Afinal, é por essa capacidade de mobilizar sentimentos e unir os diferentes que o futebol é tão amado por aqui e por todo o mundo, especialmente no estado do Rio Grande do Sul. Neste momento o futebol será mais útil se aceitar uma breve pausa.
Por Irlan Simões
Jornalista e pesquisador do futebol